terça-feira, 19 de março de 2019

Em Vão

Conduzir em sentido contrário 
Ao contrário do que se diz
Condiz com a vida 
E perco-me nesta condição 
De a imaginar

“Promete-me que não irás Imaginar a vida da nossa filha em vão”

Ao imaginar quebro promessas
Quando na ecografia 
já lhe via a espinha
E na espinha o sorriso
E no sorriso uma espinha
De um peixe que pesquei 
No rio nabão
Ou que comi na Travessa do Rio Nabão nr17
Em São Domingos de rana 
Numa inauguração que não chegamos ir
Por estarmos imigrados na Irlanda do Norte
Sei que pelo menos um de nós estava 

Imagino a vida da nossa filha
Em vão 
De escada 
e lá se parte uma perna

Sim não sou louco de imaginar uma vida perfeita  

Brincas de filha
eu de Pai
Sou cliente no teu café 
As palavras não nos chegam
E à falta delas ri-se chora-se
E então ri-mos de fome 
de sono
Porque sim porque não porque senão 
Falamos e ninguém nos entende 

Adormeces na cadeirinha dos meus 
braços 
E eu nas poltrona dos teus
De cabeça apoiada no meu fim 

No fim
A poesia 
Nunca teve raiz na experiência 
Ou na vontade

Mas sim na premonição

Simões Baião 


terça-feira, 5 de março de 2019

Há Vida

A mosca da carne 
já não brota dos cadáveres 
A mosca já não quer nada com a morte da gente
A carne humana já não é
Entre as matérias podres
o adubo predileto

À volta do corpo
No momento exacto 
não da morte
Mas da sua certificação 
Faz-se da maneira como se quer o chá 
A característica mais vincada do ser 
Então Se o morto for inglês
A morte cai melhor 
Erguendo-se 
Como mesa de apoio 
Onde se pousam chás  
E biscoitos  

Rituais e ritualinhos
Toque suave Nos cuidados ao corpo 
Que a alma tem sono leve 
Tiram-se os anéis 
Com um truque de cordel
À falta de cordel
Besuntam-se os dedos petrificados
com manteiga 
Que as famílias querem se gordas
Se é para sofrer 
mais vale que seja de barriga cheia 

Enfia-se então o corpo
Casuloso
(Ou seria caloso?)
Bem etiquetado 
Não se vá cremar os vivos
No frigorífico 

Ouve-se o burburinho 
Na negociata activa dos elementos
No concurso pela decomposição 
Dos componentes humanos 
desumanos e mundanos 
Do corpo
(Há gente para tudo)

Enterramos os Mortos
Vivos
Sem deixar morrer
Complicamos a morte
Ao agravá-la 
Sem sabermos que
Depois da morte 
Há vida 

A nossa   

Simões Baião