terça-feira, 5 de março de 2019

Há Vida

A mosca da carne 
já não brota dos cadáveres 
A mosca já não quer nada com a morte da gente
A carne humana já não é
Entre as matérias podres
o adubo predileto

À volta do corpo
No momento exacto 
não da morte
Mas da sua certificação 
Faz-se da maneira como se quer o chá 
A característica mais vincada do ser 
Então Se o morto for inglês
A morte cai melhor 
Erguendo-se 
Como mesa de apoio 
Onde se pousam chás  
E biscoitos  

Rituais e ritualinhos
Toque suave Nos cuidados ao corpo 
Que a alma tem sono leve 
Tiram-se os anéis 
Com um truque de cordel
À falta de cordel
Besuntam-se os dedos petrificados
com manteiga 
Que as famílias querem se gordas
Se é para sofrer 
mais vale que seja de barriga cheia 

Enfia-se então o corpo
Casuloso
(Ou seria caloso?)
Bem etiquetado 
Não se vá cremar os vivos
No frigorífico 

Ouve-se o burburinho 
Na negociata activa dos elementos
No concurso pela decomposição 
Dos componentes humanos 
desumanos e mundanos 
Do corpo
(Há gente para tudo)

Enterramos os Mortos
Vivos
Sem deixar morrer
Complicamos a morte
Ao agravá-la 
Sem sabermos que
Depois da morte 
Há vida 

A nossa   

Simões Baião 




Sem comentários:

Enviar um comentário